Pensar Criticamente Deus, Homem e Mundo
No editorial do número 186 (1983/6) da revista Concilium, os teólogos David Tracy, norte-americano, e Nicholas Lash, indiano, enfatizam que “parece não só desejável mas até necessária uma volta às questões de cosmologia na atual situação histórica”[1], pois desde o século XVIII os teólogos têm se concentrado nas questões relativas à redenção e negligenciado a teologia da criação. Isto foi uma conseqüência da “antropologização” e da “privatização” da pesquisa teológica.
Por isso, um grupo de teólogos da Concilium participa deste “Projeto X”, colocando um desafio: “Que as questões cosmológicas reingressem em toda a teologia contemporânea”[2]. Isto por razões teóricas e práticas:
· Ocorreu enorme mudança de paradigma nas ciências, e antigos modelos científicos rígidos dominados pelo mecanicismo, pelo materialismo e pelo positivismo foram superados em favor de posturas mais flexíveis e menos arrogantes dos cientistas, posturas estas exigidas pelas teorias da evolução, pela teoria da relatividade, pela mecânica quântica etc.
· A mudança de paradigma também ocorre na teologia, que, com exceção das posturas fundamentalistas, abandonou as clássicas concepções a-históricas e autoritárias do passado, partindo para um diálogo com as ciências humanas (por exemplo, a teologia da libertação e as várias teologias do político) e - o que se requer cada vez mais - com as ciências da natureza, para poder pensar criticamente a relação Deus-homem-mundo. Tanto a “guerra” ciência x religião como o “concordismo” fácil entre visão científica e visão teológica da realidade estão superados.
· A crise ecológica e a crescente consciência de amplos setores da sociedade de que nós, os seres humanos, somos profundamente integrados com o meio-ambiente que nos cerca, exige que “a luta pela justiça deve também incluir a luta pela ecologia - não só para assegurar a justiça para outras criaturas que não o ser humano, mas até para assegurar a justiça mais elementar de todas: um ambiente em que possam viver as futuras gerações de seres humanos”[1].
[1].Idem, ibidem, p. 126. No Congresso da SOTER de 1996, que teve como tema a Teologia e novos paradigmas, esta era a preocupação central dos teólogos brasileiros. Mas salientou-se também a necessidade de manter viva a reflexão teológica da libertação, evitando, assim, o risco de uma despolitização e elitização do debate teológico. Cf., sobre isso, DOS ANJOS, M. F. (org.), Teologia e novos paradigmas, São Paulo, Loyola/SOTER, 1996. O Congresso da SOTER de 1999 abordou a questão, tendo como tema Mysterium Creationis: um olhar Interdisciplinar sobre o Universo. Observe-se, também, a preocupação ecológica nas mais recentes obras de Leonardo Boff.
[2]. COLLINS, J., Cosmologia do Novo Testamento, em Concilium 186 (1983/6), p.12. Nestes posicionamentos da Concilium os teólogos assumem a definição de E. Schillebeeckx de que "a teologia é uma tentativa de interpretar o mundo estabelecendo correlações mutuamente críticas (na teoria e na prática) entre as interpretações de nossa situação atual e a tradição cristã" (p. 124).
Este artigo foi publicado inicialmente em Cadernos de Teologia n. 4 (setembro de 1997), Campinas, FTCR da PUC-Campinas, pp. 7-24.
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